sexta-feira, 11 de novembro de 2011
PM, violência e estudantes
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Indignação e dignidade
Sentados na mesa de frente a janela de um badalado restaurante da zona oeste de São Paulo, um casal de namorados vacila entre a escolha dos pratos. O momento decisivo para os deleites efêmeros que seguirão à difícil escolha são amenizados por carícias, goles de cerveja e comentários soltos. A menina, sentada de modo que possa ver toda a rua, deslumbra a paisagem urbana que a entorna, ou melhor, que entorna o restaurante.
Rôti de peito de peru ao molho mostarda. Pato ao molho de vinho. Pratos escolhidos, fim da tormenta. Para ajudar, os goles de cerveja caídos diretamente no vazio do estômago sobem rápido, deixando o casal numa sensação livre, uma leve bebedeira que não chega nem a deixá-los tontinhos, mas soltos. Um momento de felicidade no aguardo dos pratos, cuja iminente chegada é aguardada com tranquilidade e azeitonas suavemente apimentadas.
É neste momento de deleite que a namorada vê surgir, sobre o ombro de seu namorado, na rua, do lado de fora do restaurante, uma família pedintes. Uma mãe com um filho, de sexo indefinível à distância, no colo, e um casal de filhos ao seu lado, pedindo restos de comida aos garçons do restaurante que serviam as mesas ao ar livre. A namorada, não suportando a quebra do momento hedônico que experimentava, pede para o namorado mandar o garçom expulsar a família pedintes de diante do restaurante. Estupefato com o pedido, após muito hesitar - sempre de costas para a rua - não obstante ele a satisfaz.
A cena é familiar, corriqueira e ignorada. No Itaim, na Vila Madalena ou na Rua Augusta (para acompanhar as zonas da cidade onde saem a burguesia de baixíssimo capital cultural, a de alto capital cultural e a já não tão burguesa, e com capital cultural relativamente alto, respectivamente) a coexistência de ambientes de lazer com a miséria é flagrante. Se os ''elementos indesejáveis'' pela administração de cinemas, bares, casas noturnas e restaurantes são impedidos de entrarem nos estabelecimentos, o encontro no momento da saída à rua é inevitável.
Esta cena foi canonizada como apoteose da modernidade por Baudelaire, em Família de Olhos, em seu Pequenos poemas em prosa. A fúria da pena do poeta francês não poderia deixar de notar as contrariedades surgidas a partir da modernização de Paris levada a cabo por Haussamn, durante o governos de Napoleão III: o surgimento de belos bulevares, onde se vivencia a cidade de uma maneira totalmente inédita, vem acompanhado das contradições inerentes ao próprio desenvolvimento moderno, ou seja, o aumento da miséria e de sua visibilidade.
Por mais sensíveis (como o homem do casal) ou insensíveis (como a mulher) que possamos ser com a miséria que nos entorna, a saída parece ser sempre a mesma, tentar não ver a realidade e continuar aproveitando; ou, na melhor das hipóteses, lamentar a existência da miséria, e seguir em frente, lavando a alma com um dia trabalho voluntário na semana seguinte.
A indignação, entretanto, parece ter deixado a esfera das relações entre classes, chegando no seio de uma pequeno burguesia com acesso à informações, redes sociais e educação. Mas, sobretudo, parece ter chegado à países centrais na lógica do capitalismo internacionalizado. Espanha, Portugal e Grécia (adoraria saber se existe uma correlação entre serem estes os países que a crise tem atingido com maior força na Europa e o fato de terem vivenciado regimes ditatoriais muito semelhantes até muito pouco tempo) como países de segundo escalão. Mas Estados Unidos, Inglaterra e França, que também começam a ter parte de sua população começando a se movimentar.
Sem dúvida alguma, se o movimento de protestos tivesse se restringido aos países árabes, onde ainda nem recebia a alcunha de indignados, seus efeitos teriam sido muito menores do que os que podem emergir deste. Foi a partir do momento em que uma certa elite, senão em capital econômico, pois se trata de uma grande massa pequeno-burguesa européia-norte-americana, sem dúvida alguma em capital cultural, repleta de estudantes universitários.
Lembremos de Bourdieu, para quem as mudanças deveriam ocorrer a partir de fissões na própria elite. Cético de uma mudança pelas vias populares.
Parece claro que alguma coisa está prestes à mudar. Muito provavelmente não se tratará de uma revolução, e sim de uma reforma, sobretudo a diminuição dos poderes dos bancos sobre as políticas econômicas dos Estados. Seguindo a mesma lógica de Marx no 18 de Burmário de Luís Bonapart, a burguesia concederá uma parte de seu poder, para garantir a manutenção da ordem liberal-capitalista.
Mas e no Brasil? O cenário parece surpreendentemente diferente deste das manifestações europeias. Sobretudo pois, a partir das configurações do capitalismo internacionalizado, são os trabalhadores, e não a burguesia baixa, ou grande, que sofrerão com a crise. Diferentemente da Europa, que viu uma expansão universitária de nível muito superior à maioria das universidades brasileiras – podemos ter excelentes universidades, mas elas são poucas e restritas, e menor ainda é o número daquelas dispostas a colocar no currículo um pensamento crítico. Obviamente, é de maneira deliberada que os diversos governos brasileiros, desde o tempo da ditadura, sucatearam a educação no Brasil para dominarem sem grandes problemas – tática seguida por Sarneys, FHCs, Lulas e Dilmas.
Ou seja, aqueles que detém os meios para a mudança, não farão as mudanças. Por diversos motivos. O primeiro, pois não sentem que há necessidade: mesmo que os gastos por parlamentar no Brasil seja o maior do mundo (mais do que dez vezes o que ganha um parlamentar francês), a elite brasileira continua a crescer, e não tem motivos com o que se preocupar, a não ser com aproveitar a boa onda de crescimento. Segundo: a não expansão do ensino educacional de qualidade mina as possibilidades de indignação da maioria da população. Terceiro: uma dialética nefasta parece ter tomado conta do país: não poderemos nos indignar contra as corrupções do governo pois não existe um número grande de pessoas suficientemente conscientes da gravidade da situação política (pois, é claro, assim são mentidas pela precária educação brasileira), e, ao mesmo tempo, a grande burguesia brasileira não tem interesse nessa expansão do sistema educacional: sai mais barato pagar uma universidade privada para os filhos e sustentar políticos corruptos para facilitarem suas demandas do que terem que pagar mais direitos sociais ou salários melhores para trabalhadores mais classificados.
Espero estar redondamente enganado. Espero, com toda sinceridade, que a experiência da cotidiana da maioria desfavorecida leve à uma toma de consciência política. E vejam bem, amigos reacionários em questão, meu texto é até mesmo conservador, reformista, a mais pura social democracia; então não vinham com reducionismos e preconceitos àqueles que estão tentando pensar pelo Brasil.
PS: Aceito a crítica de que meu texto pode ser tido como elitista. Mas não no sentido econômico. Espero ter deixado claro que relaciono a maior possibilidade de indignação com o capital cultural, e não econômico. Acredito que apenas quando uma grande massa de brasileiros tiver acesso à uma educação de qualidade, as coisas poderão começar a acontecer também em nosso país. Pois, ao que tudo indica, desde os absurdos que vivenciamos com a realização da Copa até os gastos com parlamentares, estamos passando à margem da história, e o tão falado desenvolvimento econômico que estamos vivendo, virá acompanhado de contradições há muito superadas em países que tiveram um desenvolvimento e expansão paralela no sistema educacional.
(e neste cenário todo, quando os estudantes tentam mostrar seu ponto de vista, suas propostas para a sociedade, são considerados maconheiros, vagabundos, playboys)
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Um blog trágico e nada cômico
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
PanAmérica: José Agrippino de Paula e o Caos da Modernidade
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Resposta à Gilberto Dimenstein
Resposta à Gilberto Dimenstein
No último dia 30, o jornalista Gilberto Dimenstein expressou em seu blog que sentia – eu o cito - ''um misto de vergonha e enjoo ao receber centenas de comentários de leitores para a minha coluna sobre o câncer de Lula''.
O colunista da Folha continua, frases abaixo: ''Centenas de e-mails pediam que Lula não se tratasse num hospital de elite, mas no SUS para supostamente mostrar solidariedade com os mais pobres. É de uma tolice sem tamanho. O que provoca tanto ódio de uma minoria?''. Faço aqui meu primeiro remarque. Dimenstein considera uma tolice sem tamanho, e uma atitude repleta de ódio, pedir que o ex-Presidente da República se trate no SUS. Gostaria muito de entender onde estaria o ódio dessas pessoas? Reivindicar que o ex-Presidente da República se trate no mesmo sistema que a maioria da população, não me parece um ato de ódio, mas uma crítica severa a um governo que teve muitos méritos, mas está longe de ter sido, para não dizer mais, ideologicamente contundente.
Por fim, e aqui acredito que a crítica de Dimenstein chegue a beirar o absurdo, ''Lula teve muitos problemas --e merece ser criticado por muitas coisas, a começar por uma conivência com a corrupção. Mas não foi um ditador, manteve as regras democráticas e a economia crescendo, investiu como nunca no social.''
Não são a favor que Lula trate de seu câncer em hospitais do SUS, muito menos que tirem sarro de sua situação. Isso não significa, entretanto, que aqueles que achem que ele deveria ser tratado no SUS seriam cínicos, maldosos e tolos.
Mas o que mais me assombra nesta coluna de Dimenstein é uma certa associação que permeia todo o texto, relacionando o fato de se tratar no SUS com uma punição. Lula merece críticas, mas não foi um ditador, e investiu no social. Logo, seguindo a lógica de Dimenstein, ele não merece se tratar no SUS. Ele merece algo melhor, pois, como qualquer pessoa com renda, vai se dispôr à pagar duas vezes pelo mesmo serviço, a saúde pública e a privada.
A campanha para que Lula faça seu tratamento em hospitais do SUS deve ser olhada de outra maneira, como uma provocação ao putrificado Estado brasileiro; e não como a interpreta Dimenstein, como uma afronta ao presidente. A campanha toca numa questão central – que vale também para toda a problemática da educação: o SUS não vai mudar efetivamente enquanto não houver vontade política para mudá-lo. Ora, e só não há vontade política para mudá-lo pois Lula, Dimenstein, e eu, nos dispomos à ir para hospitais privados, ao invés de reivindicar um sistema público de qualidade, gratuito, e para todas e todos.
Ressalto todo meu apoio e boas vibrações para a cura de Lula!
Por fim, resta saber: Aqueles que defendem que o Lula deveria se tratar no SUS, teriam a mesma postura caso o doente em questão fosse FHC?